O VULTO [☠]

Fui o primeiro a chegar ao meu local de trabalho. Local enorme aquele armazém, do qual apenas eu tinha a chave e cujas estruturas imponentes, para manter o material dos clientes bem guardado, dominavam parte da área total. Eram estruturas altas, com cerca de 7 ou 8 metros de altura, e perdiam-se de vista em comprimento. E hoje chovia a potes.
Comecei a trabalhar, mesmo antes do meu colega de equipa chegar. O vento fazia as chapas de que eram feitas o telhado rangerem, o enorme portão de metal bater.... O próprio barulho do vento era incomodativo, e o da chuva, quando imensa, não permitia ouvirem-se duas pessoas que falassem normalmente. Era necessário uma boa dose de alma de cantor de ópera para nos fazermos ouvir nestas condições.
 Este armazém era diferente dos outros. Em vez de ter as habituais sete filas de estruturas, limitava-se a duas, ambas alinhadas à esquerda da entrada. O restante espaço, era material que estava pelo chão. Era nesse material que eu estava a trabalhar. Caiam trovoadas. Pus os auscultadores nos ouvidos, liguei o telemóvel no seu leitor de música, e dediquei-me ao serviço. Pouco depois, o cérebro entrava no modo autónomo. O trabalho era repetitivo, a música relaxante, o que permitia perder-me nos meus pensamentos. Permanecia assim uns meros minutos, até começar a ouvir interferências, ao invés da minhas melodias relaxantes. Retorno à realidade. Estou de costas para as referidas estruturas, quando oiço o seu aço a ser arranhado. Era um som extremamente agudo, semelhante ao que as máquinas por acidente de vez quando emitem quando raspam o seu metal no delas. Viro-me de imediato, e vejo um vulto a deslocar-se extremamente rápido. Rápido demais para ser humano. Nítido demais para eu estar a sonhar. Paraliso. O meu relaxado cérebro stressa e dispara toneladas de adrenalina de imediato, mas o meu corpo teima em não mexer, possivelmente porque o meu lado matemático calcula que, por mais rápido que me conseguisse deslocar, nunca seria rápido demais para escapar.
 Volto à minha análise: o vulto era preto acastanhado, com uma espécie de roupas rasgadas. O único som que lhe associei, foi o único que consegui ouvir. Estranhamente, o meu lado matemático diz que o ferro enorme que estava mesmo ali ao meu lado, era suficiente para bater em qualquer coisa e desfazê-la. Pego nele, mantendo a visão no último sítio em que vi o vulto: uma caixa de madeira com cerca de dois metros de altura. Fica a poucos metros do portão com a saída. Não me atrevo a voltar as costas ao caixote, especialmente com o chão escorregadio na entrada, onde a chuva resolveu permanecer hospede.
 A linha entre a coragem e a estupidez não é mais perceptível. Não sei mais o que fazer. Deixo-me guiar pelo meu instinto. Aproximo-me vagarosamente por trás da caixa, com o dito ferro seguro pelas duas mãos. Parou de chover, trovejar e fazer vento, como se tivesse sido combinado. O meu coração parece que vai saltar fora. Bate tão rápido que chega a atrapalhar a minha respiração. Estou a dois metros daquilo que desconheço...Levanto o ferro acima da cabeça...estou tão perto...vou a contornar e...
-TRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMM!! - toca a campainha do armazém!
-AAAAAAAAHHH! - grito eu, levantado os pés do chão!
Do lado de fora, ouve-se o meu colega:
-Estás ai? Estás bem?
A caixa de madeira, oca desfaz-se em pedaços, como se algo a tivesse literalmente atravessado. Vejo o vulto dirigir-se para o lado de onde viera. Apresso-me a ir para o portão, para o abrir ao meu colega.
-Ei! Que se passou?
-Nada, porquê?
-Primeiro porque estás a suar...depois porque estás branco como a cal...e por fim, que aconteceu à caixa?
O som do metal no metal volta!
-Que foi isto?
-Não faço ideia. Escorreguei e fui contra a caixa. Vou à enfermaria. Anda comigo.
-Mas...
-Rápido!
Saio dali sem querer saber mais da história, o do vulto, ou do que quer que fosse. Entrei na enfermaria, deixei lá o meu colega e sai novamente, sem ter tirado sequer as farpas da madeira que se haviam cravado na pele. Dirijo-me aos escritórios. Entro pelo do meu patrão dentro.
-Bom dia, é para me demitir! Não faça perguntas!

BY:JCS
06/03/2012
20:58